segunda-feira, 10 de novembro de 2008

O Mostrengo


(Ilha Terceira, Açores)

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:

«El-Rei D. João Segundo!»
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»
(O Mostrengo de Fernando Pessoa)

Mas quem será o Mostrengo de quem muito falam? Quem é essa figura “de disforme e grandíssima estatura (…) rosto carregado, a barba esquálida, olhos encovados e a postura medonha e má” que guarda o cabo por onde queremos passar?

Confesso que não me interesso muito pela política, nem pelas suas novidades e/ou escândalos. Contudo não posso deixar de reparar nas manifestações e em alguns acontecimentos que se vão passando no meu contexto social. Facilmente me apercebo que muito está em mudança, e até drástica mudança, dizem os mais extremistas. Vejo-o com frequência algumas dessas mudanças escandalosas no meu local de trabalho.

Se fizesse uma pergunta deste género a alguém do meu mar social, rapidamente surgiria o nome da Excelentíssima Ministra da Educação. Tal como já referi anteriormente não costumo acompanhar a politica com a melhor das atenções, mas reconheço alguns dos seus feitos, algumas das suas mudanças. Não serão velhos do Restelo todos aqueles que mal falam da política deste mostrengo?

Não será apenas este mostrengo possuidor de uma “postura medonha e má”, tal como acontece n’Os Lusíadas?

Algo que todos tememos e referimos como culpado de tudo, mas que no fim, após três vezes (três anos de mandato) vamos querer que volte, pois o futuro mostrengo é que é mesmo feio?
Um mostrengo que aparenta ser medonho e horrendo, mas que por de trás está um ser normal, com sentimentos, que apenas guarda o seu cabo da boa esperança.
Não me costumo queixar dos feitos daqueles que possuem a “glória de mandar”, pois acho que se algo está errado, se algo poderia estar melhor, então todos temos culpa. Somos um só mar culpado por uma onda, tal como somos um mar apreciado devido a uma só onda.
Somos uma sociedade culpada dos feitos de um indivíduo, tal como somos uma sociedade glorificada pelos feitos realizadas por um indivíduo.

Não gostamos de nos gabar de todas as descobertas dos tempos de “El-Rei D. João Segundo”? Então também deveríamos tentar entender (não falo em gabar) as descobertas desta nau, que é o governo que por nós foi eleito.

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