sábado, 23 de maio de 2009

Há um bater de remos compassado

Retrato do poeta quando jovem
(José Saramago)

Há na memória um rio onde navegam
Os barcos da infância, em arcadas
De ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas.

Há um bater de remos compassado
No silêncio da lisa madrugada,
Ondas brancas se afastam para o lado
Com o rumor da seda amarrotada.

Há um nascer do sol no sítio exacto,
À hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tacto,
Um ansiar de sede inextinguida.

Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória,
E tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história.


(In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)

É um facto que, para além do Memorial do Convento, nunca li nada sobre este escritor. Por essa mesma razão e por outras desconhecia a versatilidade deste português. Para além na originalidade da narrativa presente nos seus romances este escritor também já escreveu alguns bons poemas. Este especial sobre a água. E podemos verificar a existência de amor pelo H2O da parte de Saramago. Outra característica bastante presente neste poema é a frequente visão do povo, das classes inferiorizadas.





Sem comentários: